Wednesday, July 7, 2010

Uma Nova Propriedade Morfológica da “Classe dos Numerais”

Introdução______________________________________________________________

O pequeno estudo de que nos ocupamos tem como tema Uma Nova Propriedade Morfológica da “Classe dos Numerais”. A acção de definir tal propriedade morfológica desta classe encerra a pretensão primária da obra.

A necessidade de exploração e compreensão dos “numerais” no conjunto das variadas classes de palavras está na origem deste texto. Talvez seja das nove classes a mais complexa no que toca à sua linha fronteiriça, em virtude de puder ter, em determinados casos contextuais, ou valor de substantivo ou de adjectivo. Acrescentamos também o valor de pronome, causando assim, por tudo isto, um alargamento do seu conceito, já que a funcionalmente se impõe.

Para a satisfação da necessidade que se nos impôs, servimo-nos de alguns métodos e procedimentos, principalmente o método comparativo, com recurso à técnica da análise de conteúdo, reunindo dados de forma controlada e sistemática.

Em relação aos dados recolhidos e tratados, cuidamos de o fazer obedecendo a dois momentos: o da revisão bibliográfica, em que apresentamos diferentes abordagens já existentes sobre o estudo em questão, e o do alargamento do seu conceito.











1. Revisão Bibliográfica___________________________________________________

1.1. Enquadramento dos principais conceitos utilizados
· Gramática – Estudo do funcionamento das línguas, geralmente de uma língua, com referência aos seus aspectos fonológicos, morfológicos, sintácticos e semânticos (MATEUS & VILLALVA, 2006:96).
· Gramático – Indivíduo que se consagra aos estudos gramaticais e sobre eles escreve com conhecimento de causa (FONTINHA, s/d:903).
· Linguista – Pessoa que se dedica ao estudo da linguística (idem, p.1086).
· Classe gramatical [ou de palavras] – O conjunto de elementos linguísticos com uma propriedade especial em comum (JÚNIOR, 2007:85-86).
· Morfologia – Parte da Gramática que estuda as palavras na sua formação e flexão, dentro das classes gramaticais a que pertencem (PINTO et alli, 2001:105).[1]
· Grau – Categoria linguística que aparece explícita ou fica implícita em qualquer significação que importe na noção de quantidade, estabelecendo uma relação quantitativa entre duas ou mais significações nominais ou duas ou mais significações verbais (idem, p. 161).

1.2. Enquadramento do tema no âmbito da Gramática
O presente tema, no âmbito da Gramática, situa-se no estudo da morfologia. Esta que, porém, de acordo com alguns gramáticos e/ou linguistas (com os quais estamos bem de acordo) como, por exemplo, Hill (1972:31), Ferreira & Figueiredo (2006) e Borregana (2003:117); apenas se ocupa das formas ou flexões significativas das palavras e da sua distribuição em classes gramaticais [ou de palavras].

Os dois últimos gramáticos distinguem classes gramaticais (chamando propriamente de “categorias gramaticais”) de classes de palavras, ou seja, não usam estas expressões com o mesmo valor semântico. Para eles, esta última expressão contém aquela, na medida em que todas são classes (de palavras), mas umas variáveis e outras invariáveis (categorias gramaticais).

As classes de palavras
A classe dos substantivos;
A classe dos adjectivos;
A classe dos artigos;
A classe dos numerais;
A classe dos pronomes;
A classe dos verbos;
A classe dos advérbios;
A classe das preposições;
A classe das conjunções;
A classe das interjeições.

Obs. Concordando com Cunha e Cintra (op. cit., p. 78), na verdade, a forçada décima classe, pela sua carência estrutural e funcional, não constitui uma classe de palavra senão simples sons que não chegam a formar, em alguns casos, verdadeiras sílabas.

Categorias gramaticais
Variáveis:
A classe dos substantivos;
A classe dos adjectivos;
A classe dos artigos;
A classe dos numerais;
A classe dos pronomes;
A classe dos verbos.

Invariáveis:
A classe dos advérbios;
A classe das preposições;
A classe das conjunções.

Desse conjunto de classes, interessa-nos tão-somente no presente estudo tratar dos numerais e dos pronomes.

1.3. Da classe dos numerais
Esta classe está dentro das categorias variáveis, por apresentar, em geral, flexão na sua forma.

Recebe o nome de numerais, porque indica uma quantidade exacta de pessoas, animais, coisas, acções ou estado, e o lugar que elas ocupam numa determinada série. Dividem-se em:
a) cardinais – os que indicam a quantidade em si: catorze (14), dezanove (19),
vinte e um (21);
b) ordinais – os que referem a ordem por que um elemento quantificador é
apresentado numa série ordenada: primeiro (1.º), terceiro (3.º), sétimo (7.º);
c) multiplicativos – os que indicam um aumento proporcional de determinada
quantidade: triplo, sêxtuplo, décuplo;
d) fraccionários – os que denotam as vezes que uma quantidade é menor que a
outra: meio, quarto, treze avos;
e) colectivos – os que, no singular, designam um conjunto de seres: dueto, trio,
quarteto, vintena.

Muito próximos dessa definição estão distintos gramáticos, a saber: Cunha e Cintra (1999:367), Borregana (2003:163), Moura (2006:129), Texto Editores (2003:31), Pinto, et alli (2001:137), Oliveira e Sardinha (2006:64), Silveira (1960), Ferreira e Figueiredo (2006:72), Pimentel (2004:20), entre outros. Salientemos que muitos deles referem que os numerais também podem ser usados com valor substantivos (ex. Dois e dois são quatro.[2]), com valor adjectivo (ex. cento e duas páginas[3]). Todavia, de todos eles, ninguém aponta o uso dos numerais com valor de pronome, tal como podemos apresentar no seguinte exemplo:
Encontrei dois colegas no cinema.
In Luís Oliveira e Leonor Sardinha, Saber Português Hoje – Gramática
Pedagógica da Língua Portuguesa (2006)


1.3. Da classe dos pronomes
A palavra “pronome” (pro + nome) significa em vez do nome.
Ex. Raul David foi escritor.
Viste o Paulo?
Ex. Ele foi escritor.
Viste-o?

Frequentemente os pronomes agrupam-se em seis espécies: pessoais, possessivos, demonstrativos, relativos, interrogativos e indefinidos.

Atentando mais uma vez no seu significado, mas agora lembrando as palavras de Pimentel (op.cit. p. 23): representantes dos nomes dos seres ou seus determinantes, tomando-os como pessoas do discurso (o indivíduo que fala, o indivíduo com quem se fala e o indivíduo de quem se fala); podemos ver que, retomando o exemplo:

Encontrei dois colegas no cinema.
In Luís Oliveira e Leonor Sardinha, Saber Português Hoje – Gramática
Pedagógica da Língua Portuguesa (2006)

na verdade, a palavra em negrito pode ser substituída pela palavra alguns, sem prejudicar “o sentido quantificador” nela expresso. E vejamos esta substituição como equivalência e não uma simples substituição opcional. Deste modo, pois, temos que concordar que é claro, por um lado, o alargamento do conceito de numerais e, por outro lado, o das espécies dos pronomes. Ou seja, pretendemos com isto propor, dentro da classe dos pronomes, a sétima espécie – a dos pronomes definidos, já que, ao contrário da dos indefinidos, ela quantifica os seres substituídos ou determinados com exactidão. Vejamos, seguidamente, outros exemplos:
Sete [determinante] atletas [determinado] cortaram a meta.
In Pinto [et alli.], Gramática do Português Moderno


A Maria tem oito [determinante] carros [determinado].

Os determinantes (sete, oito) juntam-se aos determinados (atletas, carros), para lhes precisar o conhecimento no que se refere à quantidade de seres. Agora apreciemos este caso:
Dos oito carros, a Maria tem dois avariados.

Estamos, deste modo, perante um caso de substituição do nome (carro). E, por isso, não só podemos designar o substituto (numeral) de pronome como igualmente classificar os dois primeiros casos de pronomes adjectivos e este último de pronome substantivo.

Conclusão e Sugestão_____________________________________________________
Definitivamente, achamos que existe um evidente cruzamento entre ambas as classes estudadas (a dos numerais e a dos pronomes) e que, no fundo, o que se tem a fazer é, em alguns casos, admitir-se que as suas fronteiras se diluem encruzilhadamente.

Sugerimos que seja feito um estudo profundo sobre o assunto em questão, e no caso de se ratificar o alargamento apresentado, se elabore uma matriz explicitando os numerais com valor de pronomes constituintes da sétima espécie desta classe gramatical.








Bibliografia Consultada_____________________________________________________
AZEVEDO, José Carlos de
2008 Gramatica Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Publifolha.

BORREGANA, António Afonso
2003 Gramática da Língua Portuguesa. Luanda: Texto Editores

CARVALHO, José G. Herculano de
1973 Teoria da Linguagem – natureza do fenómeno linguístico e análise das línguas. Tomos I e II. Coimbra: Atlântida Editora.

COIMBRA, Olga Mata e Isabel COIMBRA
2000 Gramática Activa 1/2. 2.ª ed. Lisboa: LIDEL.

CRYSTAL, David
1973 A Linguística. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

CUNHA, Celso e Lindley CINTRA
1984 Nova Gramática do Português Contemporâneo. 15.ª ed. Lisboa: João Sá da Costa.

DIAS, Dália; Júlia CORDAS e Margarida MONTA
2006 Em Português Claro. Porto: Porto Editora.

FERREIRA, A. Gomes & FIGUEIREDO, J. Nunes de
2006 Gramatica Elementar da Língua Portuguesa – 2.º ciclo. Porto: Porto Editora.

FLORIDO, Maria Beatriz et al
1987 NOVOS CAMINHOS PARA A LINGUAGEM: Gramática Pedagógica do Português – Ensino Preparatório – 1/2. 5.ª ed. Porto: Porto Editora.

FONTINHA, Rodrigo
S/d Novo Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Porto: Editorial Domingos Barreira.

JÚNIOR, Joaquim Mattoso Camatra
2007 Dicionário de Lingüística e Gramática – referente à língua portuguesa. 26.ª ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes.

HILL, Archibald A.
[1972] Aspectos de Lingüística Moderna. São Paulo: Cultrix.

LANGACKER, Ronald
1972 A Linguagem e sua Estrutura. Metrópolis: Editora Vozes.

MOURA, José de Almeida
2006 Gramática do Português Actual. Lisboa: Lisboa Editora.

OLIVEIRA, Fernando de
2000 Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa.

OLIVEIRA, Luísa e Leonir SARDINHA
2006 Saber Português Hoje – Gramática Pedagógica da Língua Portuguesa. 5.ª ed. Lisboa: Didáctica Editora.

PIMENTEL, Carlos
2004 Português Descomplicado. 5.ª ed. São Paulo: Saraiva.

PINTO, J. M. de Castro, M.ª do Céu Vieira LOPES e Manuela NEVES
2001 Gramática do Português Moderno. 8.ª ed. Lisboa: Plátano Editora.

PINTO, J. M. de Castro e Maria do Céu Vieira LOPES
2005 Gramática do Português Moderno. 6ª ed. Lisboa: Plátano Editora.

SAPIR, Edward
1971 A Linguagem: introdução ao estudo da fala. Rio de Janeiro: Livraria Académica.

SARDINHA, Leonor & RAMOS, Lydia Vieira
2006 Prontuário e Conjugação de Verbos. Lisboa: Didáctica Editora.

SILVEIRA, Sousa da
1960 Lições de Português. 6.ª ed. Rio de Janeiro: Livros de Portugal.

TEXTOS EDITORES
2003 Gramática Básica da Língua Portuguesa. Luanda: Lunada Editora.

TONTO, Nádia Vellinho
1973 Uma Teoria Integrada da Comunicação Lingüística: introdução à gramática transformacional. Porto Alegre: Sulina.
[1] Embora tal conceito nos encha de dúvidas sobre o verdadeiro estudo de que se ocupa efectivamente essa componente da Gramática (Cf. CUNHA e CINTRA, 1999, p. 85).
Ao lado destes autores, estão também o americano Ronald W. Langacker (1967:178) e o brasileiro José G. H. de Carvalho (1973:579). Este último autor apresenta uma lista não muito pequena de outros tantos que discutem sobre o problema.
[2] Cf. Pimentel, op. cit.
[3] Cf. Silveira, op. cit., p.149.

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